Encontro se encerrou sem grandes promessas de mudanças estruturantes para as mulheres do campo, das florestas e das águas, mas simbolizou o apoio do movimento ao processo democrático e à garantia de direitos, diante das ameaças de retrocessos político e social.
por Nathália D’Emery (SOS Corpo)
Brasília – DF
As Margaridas tomaram conta de Brasília na última quarta (dia 12) com toda garra, força e energia para lutar por suas reivindicações por desenvolvimento sustentável com democracia, justiça, autonomia, igualdade e liberdade, denunciando as desigualdades sociais, todas as formas de violência, exploração e dominação. Mulheres de todos os biomas, idades, tipos de cabelo e donas do seu corpo disseram não ao retrocesso político e social. Dezenas e dezenas de milhares de companheiras mostraram que não existe governo democrático sem mobilização; sem uma articulação construída de forma coletiva; sem que as ruas sejam tomadas.
Pela quinta vez, a Marcha das Margaridas deu visibilidade às mulheres do campo, das florestas e das águas, falando sobre dignidade e direitos, através de pontos como o direito à terra para agricultura familiar agroecológica; fim do uso de agrotóxicos; não à violência contra a mulher das áreas rurais; soberania alimentar e nutricional; saúde e direitos reprodutivos; educação não sexista, educação sexual e sexualidade; sociobiodiversidade e acesso aos bens de consumo. A mobilização – que é a maior do país formada por mulheres e uma das maiores do mundo – teve um papel simbólico e fundamental para a atual conjuntura política do Brasil. Apesar das críticas e da cobrança para que o governo da presidenta Dilma Rousseff se aproxime dos movimentos sociais, não engavetando as reivindicações daquelas/es que a elegeram, a Marcha das Margaridas demonstrou o apoio à continuidade do mandato e do modelo democrático de gestão, em oposição à onda golpista e conservadora que ganhou força no cenário político brasileiro.
Do estádio Mané Garrincha, ponto de concentração e local das atividades e debates ligados à Marcha, as Margaridas seguiram até a Esplanada. Mulheres de todas as regiões do país ocuparam o centro do poder brasileiro, levantando diversas bandeiras, entre elas, o direito a uma vida sem violência, as reformas agrária e política, a igualdade de participação no processo eleitoral entre homens e mulheres e a livre expressão do corpo. As Margaridas caminharam representando sindicatos e federações dos trabalhadores e trabalhadoras rurais de vários estados (STTRs/FETAGs), ligados a Confederação Nacional dos Trabalhadores/as na Agricultura (Contag), organizadora da Marcha. Já outras mulheres estavam representando organizações e movimentos parceiros, como a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), o Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE), o GT de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), a União Brasileira de Mulheres (UBM), o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), o Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), o Movimento Articulado das Mulheres da Amazônia (MAMA), a Marcha Mundial de Mulheres (MMM), a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e a Central Única dos Trabalhadores/as (CUT). Também estiveram presentes na Marcha companheiras que foram para a mobilização por iniciativa própria, pela militância pessoal, tanto aquelas que são de Brasília quanto outras que viajaram até lá.
Já em frente ao Congresso Nacional, foi a vez de Nilde Sousa, do Fórum de Mulheres da Amazônia Paraense e da Coordenação Nacional da AMB, saudar todas as mulheres que construíram o processo das Margaridas, marchando desde muito antes em seus municípios, territórios e comunidades, a partir de articulações locais com sindicatos, organizações e movimentos. “É tempo de dizermos não ao conservadorismo e ao Congresso que não nos representa. É tempo de dizermos não aos fundamentalistas que estão dentro do Congresso, que querem colocar a fé deles acima do nosso corpo, das políticas voltadas para o nosso corpo. Vamos às ruas contra o feminicídio e a violência nos espaços institucionais”.
Nilde Sousa também reforçou a necessidade de paridade entre homens e mulheres nos espaços da política, o que permitirá uma maior representação feminina no governo democrático, que não é o ideal, mas é legítimo. Em nome da AMB, ela ainda falou sobre a crise atual, dizendo que os “ajustes fiscais têm que ser feitos para os negócios de latifundiários e empresários”. E completou: “estamos nas ruas contra o machismo e o racismo. É tempo das Margaridas!”.
A tarde da quarta foi marcada pelo retorno das Margaridas ao estádio Mané Garrincha para a cerimônia de encerramento do encontro. Nas arquibancadas, diversas mulheres faziam coro contra o conservadorismo entoando “não vai ter golpe”. A Marcha das Margaridas chega aos 15 anos, ao mesmo tempo em que se completam 32 anos do assassinato da sindicalista paraibana Margarida Alves, inspiração para o movimento. Hoje a realidade ganha contornos diferentes. Segundo dados do governo federal, as mulheres controlam mais de 90% dos cartões do bolsa família, garantindo a autonomia dentro de casa; 73% das cisternas estão em casas chefiadas por mulheres; elas também são mais da metade dos microempreendedores/as do país; já as mulheres do campo ganharam o reconhecimento e os direitos de trabalhadoras rurais.
No estádio Mané Garrincha, a ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, reforçou a tolerância zero do Governo à violência contra meninas e mulheres, destacando ações como as Unidades Móveis de Enfrentamento à Violência e a Casa da Mulher Brasileira. Já Alessandra Lunas, Secretária de Mulheres da Contag, falou do apoio das Margaridas à presidenta Dilma, mas não abriu mão de pontuar a importância de que os direitos das trabalhadoras rurais sigam assegurados e que sejam ampliados.
Dilma Rousseff começou seu discurso fazendo um balanço desde a Marcha de 2011 até o momento atual, quando as demandas das Margaridas geraram ações como a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), o desenvolvimento do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), a relação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) com a produção das mulheres e a Lei do Feminicídio.
Para as reivindicações deste ano, a presidenta reforçou que a parceria com as Margaridas vai influenciar seu mandato até o final dele, em 2018. Dilma anunciou o compromisso com a efetivação das Patrulhas Rurais Maria da Penha, em parceria com as forças policiais locais, numa prevenção à violência e para que as mulheres vítimas sejam assistidas de forma correta. Para que o “combate à violência seja igual em todos os lugares”, ela anunciou que o PRONATEC vai formar, até 2018, 10 mil promotoras legais. Destaque também para a assinatura do decreto que revisa a lei de Crédito Fundiário e para a garantia de que as trabalhadoras ligadas à pesca serão asseguradas pela Previdência. Estas talvez sejam as únicas ações anunciadas que vão gerar mudanças verdadeiramente estruturantes para as trabalhadoras do campo e das águas.
A presidenta sinalizou que dialogará com segmentos da indústria de agrotóxicos, seguindo o desenvolvimento do Programa Nacional de Redução dos Agrotóxicos (PRONARA) e o incentivo à produção orgânica de base agroecológica. Ainda no ato político, foram garantidas 100 mil cisternas produtivas para o Semiárido; 1200 creches no campo para o meio rural; reforço de postos de saúde para que proporcionem exames ginecológicos e contra o HPV, atualização da carteira de vacinação e diagnóstico do câncer de mama. Também foram anunciadas a criação de 109 unidades odontológicas móveis, onde 7 delas são destinadas a distritos com população indígena.
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