Por Paula de Andrade, da equipe do SOS Corpo
Criada em março, a Comissão parlamentar de inquérito destinada a apurar as causas, razões, consequências, custos sociais e econômicos da violência, morte e desaparecimento de jovens negros e pobres no Brasil divulgou seu relatório final, no mês passado.
Durante seus trabalhos foram ouvidos diversos segmentos da sociedade, num plano de audiências que abrangeu cinco “eixos”: escuta das vítimas, testemunhas e dos familiares de atos de violência contra jovens negros e pobres; de representantes de organizações e movimentos sociais; de atores governamentais dos três Poderes, no plano federal e dos estados; e finalmente oitivas com acadêmicos, cientistas sociais e estudiosos da questão do racismo.
Entre as conclusões do relatório, está a afirmação de que “há sim Racismo Institucional” no Brasil. Em um dos trechos, o documento da CPI afirma que “a circulação [do povo negro] no espaço público sempre foi vigiada e controlada. Numa demonstração de que o racismo é uma prática institucionalizada e sofisticadamente engendrada no imaginário estatal, a existência da lei de criminalização da vadiagem e da capoeira, vigentes nos primeiros códigos penais do País, tinha o foco definido de restringir a liberdade da população afrodescendente”.
Em depoimento realizado no Rio de Janeiro, durante trabalhos da CPI, Neuza das Dores Pereira, enfatiza uma das questões mais debatidas pelo movimento de mulheres negras, no contexto do racismo, no Brasil.
Falando às/aos parlamentares da Comissão, Pereira afirmou ser preciso retirar da invisibilidade o segmento social que considera mais oculto nesse debate, que é o “segmento das viúvas, das jovens viúvas, das mães”. Para ela, não apenas no Brasil, mas em muitos países, essas mulheres enfrentam inúmeras situações degradantes. “Essas viúvas, na maioria das vezes, são expulsas de sua casa e abusadas física e sexualmente, são mortas ou estigmatizadas. São as chamadas mulheres de malandro, mulheres de vagabundo. ‘É mulher de vagabundo, é mulher de malandro, não vale nada’. Ela fica estigmatizada por toda a sua vida. Seus filhos, que são afetados emocional e economicamente, ficam de qualquer maneira.”
Ainda segundo Pereira, o fato é que quando se fala da situação das mulheres negras, muitas vezes alguém diz: “‘Ah, deixa pra lá! Ainda mais mulher preta, mulher pobre, mulher favelada. Deixa pra lá!’ Ela é culpada, ela não cuidou bem da criança, ela não fez o seu trabalho de mãe…”
Outra parte do relatório denuncia “um forte esquema de ‘naturalização’ e aceitação social da violência [sobre a população] que opera em vários níveis e mediante diversos mecanismos, mas fundamentalmente pela visão que uma determinada dose de violência, que varia de acordo com a época, o grupo social e o local, deve ser aceito e torna-se até necessário, inclusive por aquelas pessoas e instituições que teriam a obrigação e responsabilidade de proteger a sociedade da violência.”
O relatório da CPI revela que o “esquema” opera pela culpabilização da vítima, construindo explicações e justificativas, principalmente para a violência contra mulheres, crianças e adolescentes, idosos, negros etc. Para essa responsabilidade jogada sobre os ombros das vítimas, costuma se ouvir, quando são mulheres: “a estuprada foi quem provocou ou ela se vestia como uma ‘vadia’. Se o caso foi com um adolescente, ele então seria, “naturalmente”, um marginal, delinquente, drogado, traficante. Os mecanismos de culpabilização, segundo o relatório da CPI reforçam a ideia de “aceitabilidade de castigos físicos ou punições morais com função ‘disciplinadora’ por parte das famílias ou instituições”, pois se for “moreno de boné e bermudão é automaticamente suspeito etc.”
Entre os principais resultados dos trabalhos da CPI, do ponto de vista de proposta de legislação para enfrentar a violência contra jovens negros e pobres, o relatório final traz o texto do projeto de lei (da Comissão) voltado para a implementação de um Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens.
Acesse a íntegra do relatório clicando aqui.