“Não queremos apenas inclusão, queremos transformação! Mulheres na luta por mudanças radicais no sistema político”

Por Carmen Silva (*)

Não nos representam! Este grito ganhou às ruas com muita força nas jornadas de mobilização de junho de 2013. Nós dos movimentos feministas temos grande convicção disso. Quantitativamente, nós mulheres, sendo 52% da população brasileira, somos menos de 10% no Congresso Nacional, e se somos mulheres negras a situação piora muito, porque temos apenas 5% de pessoas negras no poder legislativo federal. Qualitativamente, as nossas ideias e posições políticas muito raramente são levadas em conta quando é discutido um projeto de lei. Recentemente, o presidente da Câmara, querendo marcar pontos no cenário da instabilidade política, ameaçou retirar os poucos direitos que já conquistamos no campo da autodeterminação reprodutiva, ou seja, o direito a fazer um aborto quando corremos risco de morrer em função da gravidez ou quando ela for fruto de um estupro. Somos duplamente sub-representadas no poder: o contingente de eleitos não nos inclui e as propostas em debate, via de regra, nos excluem. Temos muitos motivos para lutar por uma mudança profunda no sistema político brasileiro. Não queremos apenas ser incluídas neste espaço. Queremos alterar profundamente esta estrutura de poder. Queremos que a população em geral, em especial os que tem menos direitos, tenham possibilidade de decidir sobre tudo que diz respeito às suas próprias vidas e aos rumos do seu país. Exigimos uma reforma política que amplie a democracia direta para o povo brasileiro poder decidir as grandes questões que definem a nossa vida cotidiana.

Na Constituição de 1988 tivemos várias conquistas no campo dos direitos sociais e muitas derrotas no campo da participação política. O nosso sistema político, em grande medida, é o mesmo herdado da Ditadura Militar. Nós sabemos que o poder econômico tem forte ingerência sobre o sistema político, que, em última instância, este serve para a manutenção daquele. Também temos uma visão nítida sobre como a imbricação entre sistema econômico e político é operante na continuidade do patriarcado e do racismo, como estruturas da sociedade e do Estado. Por conta disso, nossa crítica é radical. O sistema político, deste ponto de vista, engloba o sistema eleitoral e partidário, mas nãos e restringe a ele. Partidos e eleições são instrumentos para se chegar a cargos de poder, mas o poder político em uma sociedade é exercido também de outras formas. O sistema judiciário vem assumindo cada vez mais poder político. Os meio de comunicação de massa, que são concessões públicas para iniciativa privada, também exercem poder político na sociedade de forma intensa e cotidiana. E a sociedade organizada, na qual se veem os Movimentos Sociais e organizações, coletivos, grupos populares também exercem poder, só que bem menor. Sim, porque estamos discutindo relações de poder entre forças sociais e não apenas lugares de poder. Os movimentos sociais conquistaram, neste período pós-Ditadura espaços institucionalizados de participação social, como Conselhos e Conferências nas várias áreas de Políticas Públicas, alguns deliberativos e outros consultivos. Mas isso não é tudo, a ampliação do poder dos movimentos depende da sua capacidade de mobilização, de ação direta e de ampliar seu apoio na sociedade. Para isso nem sempre ter boas propostas e bons argumentos é suficiente, muitas vezes é necessário demonstração de força e um campo de alianças sociais que o sustentem. Daí, é preciso que a institucionalidade do sistema político contemple a participação direta das pessoas nas decisões que são tomadas no âmbito do Estado mas que tem forte impacto na vida de todo mundo.

(*) Carmen Silvia Maria da Silva compõe a equipe do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, é militante da AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras e cursa o doutorado em sociologia na UFPE.

Ler artigo original publicado na página da Articulação de Mulheres Brasileiras

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