O SOS Corpo propõe um debate público para discutir sobre participação social, partindo de uma análise de conjuntura do Brasil e da América Latina, considerando as diferenças de sistemas políticos, e o crescimento da extrema direita e as resistências impulsionadas pelos movimentos sociais.
As ferramentas democráticas de participação político-institucional parecem mecanismos muito distantes da vida das mulheres populares. Diante das desigualdades estruturais que experimentamos cotidianamente em nossas vidas, como aumento do trabalho precário, da falta de mobilidade urbana, da violência machista dentro e fora de casa, da injusta divisão do trabalho doméstico e de cuidados, da perseguição e controle dos seus corpos pelo discurso moralista, o que o feminismo tem a dizer sobre a participação social nas democracias do Brasil e da América Latina?
Para aprofundar o pensamento feminista sobre essas questões, o SOS Corpo, Instituto Feminista para a Democracia, promove na próxima quarta-feira, dia 17 de maio, a partir das 18h, no Hotel VillaD´Oro, no centro do Recife, o debate público “Conjuntura latino-americana e desafios feministas da democracia hoje”. O evento é a parte aberta do curso Espiral Feminista sobre “Feminismo, Poder e Participação”, que ocorrerá até o dia 20 e já está com inscrições encerradas. O objetivo do debate público é dar um pano de fundo para a discussão sobre participação social, partindo de uma análise de conjuntura do Brasil e da América Latina, considerando as diferenças de sistemas políticos, e o crescimento da extrema direita e as resistências impulsionadas pelos movimentos sociais. Na ocasião, o Instituto também realiza o lançamento do livro “Crítica feminista alargando a democracia”, organizado por Natalia Cordeiro, uma coletânea de artigos elaborados pelas feministas que compõem a organização. O livro será distribuído gratuitamente.
Foram convidadas como debatedoras as feministas Lilian Soto e Dani Portela. Lilian Soto é médica, ativista política feminista no Paraguai, especialista em gestão de políticas públicas, paridade de gênero, é ex-ministra no governo de Fernando Lugo e foi candidata a presidenta do Paraguai pelo partido feminista de esquerda Kuña Pryenda. Dani Portela é advogada e historiadora, deputada estadual do PSOL em Pernambuco, presidenta da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Participação Popular e líder da oposição na Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe). A mediação do debate ficará a cargo de Betânia Ávila, doutora em sociologia e uma das fundadoras do SOS Corpo, militante feminista da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e Articulação Feminista Marcosul (AFM). As palestrantes foram convidadas a examinar a correlação de forças no nosso continente, debatendo sobre como as investidas do capitalismo extrativista estão avançando sobre os bens comuns da humanidade e como a força do capital financeiro está incidindo sobre o poder político.
No Brasil, os últimos anos evidenciaram a fragilidade das instituições e seus impactos perversos na vida da população mais vulnerável. Vivemos um golpe parlamentar contra a presidenta Dilma, seguido do governo interino de Michel Temer e a ascensão de Bolsonaro. Esses processos resultaram num retrocesso do Estado de Direito, com perda de direitos sociais, ambientais e mesmo políticos, visto que houve uma dramática redução das possibilidades de participação civil na discussão das políticas públicas. O presidente Lula tenta uma retomada dos mecanismos institucionais de participação, como conselhos, conferências, inclusive abrindo possibilidade de participação na no debate do plano plurianual, instrumento de planejamento orçamentário de médio prazo do poder Executivo. Seu governo também tem ousado propor regulação das redes sociais, aposta na criação de uma nova regra tributário e fiscal para financiar as diversas políticas sociais que prometeu realizar, como aumento do salário-mínimo, programa habitacional, ampliação do Bolsa-Família, marco do saneamento básico e contenção da devastação ambiental, entre outras medidas.
Em outra situação política encontra-se o Paraguai, país de origem da convidada Lilian Soto. Uma legenda conservadora governa o país quase ininterruptamente desde 1947, o partido Colorado. O partido é responsável, inclusive, pelo período de ditadura militar, que durou quase trinta e cinco anos, sob o comando do general Alfredo Stroessner. Depois de Dom Pedro II do Brasil (1840-1889), a ditadura paraguaia foi o segundo período mais longo em que uma única pessoa ocupou a sede do governo de um país sul-americano em modo contínuo. A única vez que o partido perdeu oficialmente uma eleição presidencial nos últimos 76 anos foi quando o ex-bispo Fernando Lugo foi eleito chefe de uma coalizão de oposição em 2008. Lilian conta que com essa mudança de conjuntura política, em 2010, as feministas do movimento camponês, de organizações populares, da academia, de organizações e as que estavam atuando na política institucional como ministras do governo Lugo, juntaram-se para conformar e lançar um partido segundo as leis paraguaias. “O objetivo do Kuña Pryenda, movimento político feminista paraguaio, era ter uma candidatura com presença forte e negociar uma aliança com o Alianza Patriótica, partido de esquerda que estava no poder, porém antes da conclusão do mandato de Lugo, um golpe do Partido Colorado o retirou do poder em 2012”, revela. Já conformadas como um movimento político institucional, as feministas decidiram, então, continuar com a candidatura para presidência e para várias regiões administrativas do país para colocar em pauta no cenário nacional as demandas e denúncias feminista, mesmo sabendo que a correlação de forças não era favorável, visto que o golpe significaria o retorno do Partido Colorado ao Poder. A chapa candidata do Kuña Pryenda foi encabeçada por Lilian Soto e obteve menos de 1% dos votos. Nas últimas eleições, ocorridas em 30 de abril, o Partido Colorado saiu novamente vitorioso.
A conjuntura política latino-americana exige do feminismo uma análise mais aprofundada que coloque em questão a participação política institucional dos movimentos sociais, mas também a necessidade de participação autônoma, ou seja de outras formas de luta que possam ser combinadas com a participação institucional. O seminário representa uma oportunidade de reflexão coletiva sobre os desafios de construção da democracia neste momento, à luz da participação social.
Debate sobre conjuntura latinoamericana e desafios feministas para construção da democracia e lançamento do livro “Crítica Feminista alargando a Democracia”
Quando? Quarta, 17 de maio de 2023
Que horas? A partir das 18h
Onde? Hotel Villa d”Oro, na Av. João de Barros, 886, Soledade, Recife (PE)