O SOS Corpo, juntamente com outras dezenas de organizações sociais, coletivos e universidades, assina a carta de apoio à Matriz de Medidas Reparatórias Emergenciais, declarando comprometimento e reivindicando atenção pública da sociedade para a luta por direitos dos atingidos e das atingidas pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Vale.
A Matriz de Medidas Reparatórias Emergenciais é resultado do trabalho de consulta à população atingida acerca dos danos existentes e demandas emergenciais, em espaços participativos realizados virtualmente, em função da pandemia.
As duas Matrizes contam, juntas, com 220 medidas urgentes. O trabalho foi desenvolvido entre os meses de maio e novembro de 2020, por meio de 644 Grupos de Atingidos e Atingidas e de 171 Rodas de Diálogos, em ambas as regiões. Solicitamos seu apoio na divulgação deste relatório. Fique à vontade para sugerir ações de divulgação e apoio à luta dos/as atingidos – como eventos, notas de apoio, ações em mídia social, entre outras.
Leia íntegra: Matriz de Medidas Emergenciais Reparatórias da R1 e R2 identifica prioridades das pessoas atingidas
Carta de apoio à matriz de medidas reparatórias emergenciais da população atingida pelo desastre sociotecnológico na Bacia do Rio Paraopeba – Minas Gerais, Brasil
” No dia 25 de janeiro de 2019, rompeu-se a Barragem da Mina do Córrego Feijão, em Brumadinho (MG), pertencente à empresa VALE/S.A. As populações atingidas de 20 municípios de Minas Gerais ainda suportam danos acarretados pelos 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro despejados sob parte do centro administrativo e do refeitório da Vale, máquinas de mineração, um trem, uma ponte, casas, pousadas e currais, até chegar ao leito do Rio Paraopeba, impactando toda sua Bacia. Este é um dos maiores desastres sociotecnológicos da história do país, que resultou em 272 vidas humanas interrompidas, sendo que 11 joias seguem não encontradas sob a lama.
Conforme reconhecido no direito internacional dos direitos humanos, desastres sociotecnológicos, como este, originam danos que não se manifestam completamente no momento de seu acontecimento, mas se expressam continuamente e com efeitos progressivos e prejudiciais às pessoas, ao meio ambiente e à economia. Trata-se, por exemplo, da exposição contínua a elementos prejudiciais à saúde, como água e ar contaminados, ou do agravamento de males psicológicos decorrentes da exposição recorrente aos traumas do evento.
Compreende-se que as medidas levantadas pelos atingidos e atingidas têm a potencialidade de sanar e/ou mitigar situações de vulnerabilidade, ou extrema vulnerabilidade, decorrentes do rompimento, ou por ele agravadas. Tais vulnerabilidades exigem a adoção de medidas imediatas, considerando a possibilidade de o processo reparatório final ser inócuo diante do agravamento dos danos.
Partimos do entendimento de que são as pessoas atingidas que melhor sabem sobre os danos, e que melhor podem propor a forma de reparação. Ao longo do ano de 2020, a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas), enquanto Assessoria Técnica Independente escolhida pelas comunidades através de um processo de chamada pública, aplicou uma metodologia que busca garantir a participação informada da população atingida dos municípios por ela assessorada: Brumadinho, Betim, Igarapé, São Joaquim de Bicas, Juatuba e Mário Campos. Foram realizadas entrevistas por grupo familiar e individuais e grupos focais, totalizando 644 Grupos de Atingidos e Atingidas (GAAs) e 171 Rodas de Diálogo, entre os meses de maio e novembro de 2020.
Nesses espaços participativos, foram produzidos diversos dados, que foram aprofundados e classificados como danos que não podem esperar decisão final do processo judicial para serem reparados. As pessoas atingidas propuseram medidas com caráter mitigatório, que devem ser tomadas o quanto antes para evitar que os danos se agravem, ou se tornem irreparáveis. Essas medidas foram desenvolvidas em 6 eixos temáticos: economia, trabalho e renda; educação e serviços socioassistenciais; moradia e infraestrutura; socioambiental; patrimônio cultural, cultura, esporte e lazer; e saúde. Tais medidas foram sistematizadas pela Aedas e validadas pela população atingida em novos espaços participativos virtuais (conforme orientação das autoridades de saúde, tendo em vista apandemia do novo coronavírus).
Os documentos estão organizados em 8 capítulos, que tratam do Direito à Comunicação e Acesso à Informação; do Direito à Água; Direito à Moradia; Direito à Infraestrutura e Serviços Públicos de Qualidade – que incluem medidas voltadas à saúde, segurança pública, alimentar e nutricional, educação e assistência social, saneamento básico, cultura esporte e lazer, entre outros; Direito ao Trabalho; Direito dos Povos e Comunidades Tradicionais, das Mulheres, das Crianças e Adolescentes – incluindo as particularidades e protocolos de consulta das comunidades quilombolas e dos Povos e Comunidades Tradicionais de Religião Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA); Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado; e o Direito à Reparação dos Danos Morais e Materiais.
As medidas emergenciais constantes nos relatórios foram detalhadas pelos/as técnicos/as da Aedas, fundamentadas juridicamente e justificadas em sua urgência. Osargumentos, normas de lei, decisões e acordos judiciais que sustentam a importância elegitimidade dessas medidas estão neste documento.
Tais medidas, a princípio pensadas para as regiões 1 e 2, buscam contribuir com o debate aberto em toda a bacia sobre quais são as necessidades das pessoas atingidas para que possam acessar os efeitos úteis do processo, especialmente por meio da participação informada. A efetivação deste direito foi exigida no manifesto dos atingidos e atingidas dabacia (Confira aqui o Manifesto pela participação das Pessoas Atingidas na discussão do acordo judicial entre Vale S.A. Estado de Minas Gerais e Instituições de Justiça (IJs) )
Importante referir que muitas dessas medidas já foram, inclusive, objeto de decisões eacordos no processo judicial de reparação dos danos. Porém, a Vale/S.A. vem descumprindo com muitos deveres firmados judicialmente.
Assim, no contexto em que se apresenta a possível realização de um acordo entre a empresa poluidora-pagadora e o Governo do Estado de Minas Gerais, do qual a população atingida não está autorizada a participar, sequer a conhecer as propostas e detalhes da negociação que ocorre a portas fechadas, os relatórios da Matriz Emergencial são de extrema importância. Tais documentos apresentam a ótica dos atingidos/as sobre o que deve ser prioritário, em respeito ao princípio da centralidade do sofrimento da vítima, destacando os direitos das pessoas atingidas à efetiva possibilidade de reparação integral.