A Organização Feminista no Chile (II)
Por Carla Batista: O II Encontro Plurinacional das que Lutam, posicionamento sobre a convocatória de Assembléia Constituinte e um 8 de março que promete mobilizações todo o mês de março, em todo o país.
 
                
O II Encontro Plurinacional das que Lutam, posicionamento sobre a convocatória de Assembléia Constituinte e um 8 de março que promete mobilizações todo o mês de março, em todo o país.
*Por Carla Batista, na coluna Mulheres em Movimento, na Folha PE.

Nem bem chegou o mês de março, quando se anuncia um novo  despertar dos protestos no Chile, o festival de música de Viña del Mar  se mostrou como um anúncio do que esperar. Seguindo na contribuição para  um cenário dos movimentos feministas no processo de mobilizações  iniciadas no 18 de outubro, o Estallido Social, Mulheres em Movimento  entrevistou Javiera Vallejo, integrante do Comitê Internacionalista da  Coordenação 8 de Março (8M), parte da comissão que convocou o II Encuentro Plurinacional de las que Luchan.  Javiera contou que “a Coordenação 8M se formou previamente à marcha de 8  de março de 2018, com feministas autoconvocadas e feministas que são  militantes de organizações e partidos, com o objetivo de preparar em  conjunto a greve do 8 de março que há alguns anos se via,  internacionalmente, como uma proposta cada vez mais potente. Em 2018, se  fez a marcha e depois teve o maio feminista, que foi a mobilização das  mulheres nas universidades, na educação secundária e primária, contra a  violência, o assédio e a vulneração dos seus direitos nos espaços  educacionais. Toda essa onda feminista, como a chamamos, reforça a  Coordenação 8M. E ante ao êxito da primeira marcha em 2018 se decidiu  manter a 8M funcionando”. A Coordenação 8M está entre as convocantes da  greve do próximo 8 de março.
Carla: Como surgiu a proposta do Encontro Plurinacional?
Javiera Vallejo:  Entendendo que havia uma urgencia de posicionamento dos feminismos  naquela conjuntura, depois de maio de 2018 se fez a convocatória do “I  Encontro Plunacional das que Lutam”. Inscritas cerca de 3 mil pessoas,  participaram por volta de duas mil mulheres e dissidencias. No Encontro  se levantantou a proposta de caracterização da greve do 8 de março de  2019. Greve que se definiu como greve geral, o que significa que se  chama à paralisação não apenas dos trabalhos produtivos, senão dos  trabalhos reprodutivos. Se entende que uma greve geral não pode ser  senão com as mulheres. Para paralisar todos os trabalhos tem-se que  reconhecer todos os trabalhos. Ademais, a greve não acontece apenas no 8  de março. Se caracteriza como um processo constante de mobilização. E  foi aí que se levantaram eixos programáticos e se começou a preparar o  cenário da greve. Surgiu toda uma articulação, de onde se começou a ver  qual era a realidade dos territórios e como as distintas comunidades se  podiam somar ou paralisar neste mesmo dia.
Carla: E como segue esse processo até chegar à greve geral?
Javiera Vallejo:  Se fez muita agitação durante os meses antecedentes à greve. Foram  feitas intervenções nos espaços públicos durante as semanas prévias.  Antes que se “soltara o torniquete” do 18 de outubro, nós estávamos  fazendo intervenções nos metrôs de Santiago, mudando os nomes das  estações para nomes de mulheres que são importantes na nossa história e  em nossas lutas. E vínhamos de uma forma de agitação que era “isso me  convoca à greve”. Agarrávamos algo que o governo não havia feito, algum  feminicídio, algum tipo de política pública misógina, machista, ou que  fosse contra a classe em geral… e isso o difundíamos com “isso nos  convoca à greve” e explicávamos porque isso chamava à greve.
Carla: …e o resultado?
Javiera Vallejo: O
 8 março de 2019 foi a maior marcha que se havia visto em pelo menos 30 
anos no país. Foi um 8 de março que mudou o eixo da política no Chile, 
porque situou os feminismos tanto dentro dos partidos e na agenda 
nacional como um tema relevante. Começaram a ter outras formas de 
manifestações sociais, outras formas de iniciativas criativas, de 
intervenção, com a participação das mulheres em primeira linha… Depois
 daquele 8 de março, obviamente, articulação da Coordenação 8M começou a
 ter maior relevancia, se manteve, começaram os debates que todavia não 
havíamos resolvido em sua totalidade.
Carla: …quanto a esse seguimento?
Javiera Vallejo:
 Começamos a ver como nos organizar melhor para enfrentar os cenários 
nos quais estamos envolvidas. E levantamos a proposta do II Encontro 
Plurinacional das que Lutam. Este encontro que aconteceu dentro de um 
contexto nacional pós 18 de outubro (Estallido social), primeiro chamou a
 fazer um balanço do contexto nacional e internacional, tentou 
aprofundar os eixos temáticos que haviam sido levantados em 2018 e 
buscou caracterizar a greve futura. E ainda ver como vamos enfrentar o 
momento que se segue ao que estamos vivendo no Chile.
Carla: O que destaca como eixo central dos debates no encontro?
Javiera Vallejo: Dentro
 dos principais eixos de discussão está que desde os feminismos chilenos
 compreendemos que o processo Constituinte (anunciado pelo atual 
presidente, Piñera) não é só o processo que se dá no marco do acordo 
pela paz. Acreditamos que o processo Constituinte não é só o processo 
que se dá para a redação de um texto legal de uma nova constituição, 
senão que desde o 18 de outubro se iniciou um processo Constituinte de 
uma nova forma de vida em nosso país. Processo que parte da necessidade 
de destituir o poder que está estabelecido hoje (representado no governo
 de Piñera), de questionar o cimento de modelo neoliberal que leva 30 
anos implantado no Chile. Ademais, se começa a rearticular o tecido 
social para pensar uma nova forma de viver, que se encontra nos 
coletivos, logo, uma forma mais coletivizada da vida, representada pelas
 assembleias territoriais, local aonde se começa a questionar o modelo 
atual e se começa a propor, ou à ver, trazer à luz, formas que são mais 
cooperativas de vida.
E é nesse marco que nós, as feminista, acreditamos que deve se dar o processo constituinte popular que vamos defender. O Encontro foi também parte desse processo constituinte. Não é só a convenção constitucional como a estão determinando em parte os poderes parlamentar e executivo, num processo que não é legítimo, porque não é um processo que estava pedindo o povo do Chile.
Carla: …como estão se posicionando, afinal, nesta convocação para uma nova constituição?
Javiera Vallejo:
 Estamos de acordo que tem que se eliminar a Constituição da ditadura. 
Mas, no contexto que hoje estamos vivendo no Chile, há uma ditadura de 
novo tipo, aonde se há criminalizado cada vez mais os protestos. Temos 
milhares de jovens e crianças hoje presos por se manifestarem. Sabemos a
 quantidade de mutilados que deixaram os protestos, e os mortos, 
mulheres violadas… Então, entendemos que nesse contexto não se pode 
iniciar um processo de discussão de uma nova constituição, às margens 
desses marcos que estão dados: não é paritária, não tem representação 
dos povos indígenas e ademais representações só por partido, vai ter 
certas limitações quanto aos temas a serem discutidos. E afinal, não se 
pode gerar um processo com a impunidade, ausência de justiça, sem 
reparação e com o presidente Piñera no governo. Essa é a posição que 
tiramos, de forma geral, dentro do II Encontro Plurinacional das que 
Lutam.

Ato está marcado para março – Foto: Divulgação
Carla: E voltando ao 8 de março…
Javiera Vallejo:  Nesse contexto, a greve do 8 de março que se organiza para 2020 está  apontada como um dos pontos de reavivamento do movimento social porque  em março voltam as atividades regulares, os estudantes voltam a ter  aulas nas universidades e nos liceus. Então o 8 de março deverá ser um  “pontapé” às lutas e temos que dar muita importancia à greve desse dia  porque vai demonstrar, de novo, uma significativa correlação de forças  com respeito as mobilizações sociais. E, desde que possamos instalar  certos debates que não se esquece e não foram fechados, ainda que se  tentasse encerrá-los por parte do poder, defendemos que se instale um  processo de Constituinte popular, a partir dos povos chilenos, e não  este encerrado nos partidos. Menos ainda nos partidos políticos que hoje  em dia sofrem séria deslegitimidade social, assim como o parlamento e o  executivo.
Carla: Quais seriam então os principais desafios?
Javiera Vallejo:  Demonstrar que as lutas feministas estão dentro da primeira linha da  luta social, que podemos paralisar, que temos formas distintas de  paralisar e que, portanto, podemos chegar a muitos mais setores se  paralisando e mobilizados em aliança. E aí temos ressaltado frente a um  contexto de crise climática, temos relevado a defesa dos territórios de  nosso país a partir da organização das mulheres, por moradia, fim do  endividamento, que são os eixos que no fundo mobilizam nosso país até o  topo e que, por isso também, são parte do Estallido social de 18 de  outubro.
Para terminar, convido a um vídeo das chilenas, de convocação para o 8 de março:
 
	



