AMB divulga Carta Aberta aos Movimentos Sociais, em defesa do PNDH3

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A razão desta convocatória é o anúncio, esta semana, de que o PNDH3 estará em debate em várias audiências no Congresso Nacional nas primeiras semanas de abril, após o que o Governo anuncia que fará mudanças no Programa.

Em nota divulgada pela Agência Brasil, o governo informa para tratar da alteração do programa, o [ministro] Paulo Vannuchi se reuniu com os ministros da Saúde e do Desenvolvimento Agrário, com o ouvidor agrário nacional, com a secretária especial de Políticas para as Mulheres, com a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e com 11 organizações do movimento feminista”. O que não diz é a posição de cada um dos interlocutores.

•    A AMB estava entre as organizações que, em posição unificada, reuniram-se com o ministro para reafirmar que não aceitamos qualquer recuo do Governo no apoio à descriminalização do aborto e aos demais pontos apontados como polêmicos pelos opositores dos direitos humanos. Para as organizações feministas, é preciso destacar a legitimidade do processo de construção do Programa (as conferências de políticas públicas) e a importância da manutenção integral do seu texto, firmado no Decreto nº 7037/2009.

•    A nosso ver, a divulgação desta agenda do ministro Paulo Vannuchi é parte do esforço do Governo Federal no sentido de recuar nos chamados pontos polêmicos do Programa. Contudo, consideramos que se o Governo Lula determinar alterações sobre quaisquer ações do Programa, irá desqualificar não só o Programa mas todo o processo de participação que promoveu e os mecanismos de democracia participativa.

Por que unir forças em torno do PNDH3?

•    De acordo com divulgação da Agência Brasil, o ministro Vannuchi declarou, como vem fazendo há dois meses, que já é decisão do Governo alterar três das ações programáticas previstas no Programa: (1) alterar a proposta de mediação de conflitos agrários, retirando a exigência de audiência prévia com os envolvidos antes de decisões judiciais, como a reintegração de posse; (2) retirar o apoio a projetos de lei que descriminalize o aborto e (3) retirar a propostas de medidas legais que impeçam a ostentação de símbolos religiosos em espaços públicos.

•    Mas não são apenas estes pontos que estão ameaçados. Denunciamos a aliança entre setores reacionários religosos, auto-denominados Pro-Vida, com os representantes dos interesses do latifúndio, expressão mais antiga do patriarcado no Brasil, parte da grande mídia e outras forças de direita que insistem em denunciar o PNDH3 como arbitrário, autoritário, como ameaça à vida e às liberdades individuais, à liberdade de imprensa, à ordem e à propriedade privada.

Por que defendemos a integralidade do PNDH3?

•    Os mecanismos da democracia participativa são legítimos e democráticos. O PNDH3 é resultante de um processo democrático e participativo decorrente de 50 conferências de Políticas Públicas. O processo de elaboração do PNDH3 levou dois anos e envolveu a participação de 14 mil pessoas. O plano foi colocado em consulta pública por 6 meses no ano de 2009 ao final do qual o decreto foi editado. O Plano não é arbitrário nem autoritário.

•    A mediação de conflitos agrários considera a função social da propriedade e garante os direitos econômicos, civis e políticos. O PNDH3 propõe papel para o Estado na mediação de conflitos agrários e que seja exigido audiência prévia com os envolvidos antes de decisões judiciais como a reintegração de posse. Trata-se de garantir o direito de defesa antes de julgamento do litígio. Esta medida confere legitimidade às lutas sociais e garante procedimentos pautados pelos direitos humanos nos conflitos sociais derivados da luta por terra. Os representantes do latifúndio e seus aliados, ao afirmarem que o plano ameaça a propriedade privada querem atacar, em verdade, a legitimidade das lutas sociais e questionar o princípio da função social da propriedade.

•    A apuração dos crimes cometidos pelos serviços de repressão da ditadura militar (1964-1985) é uma proposta democrática que está prevista no PNDH3. Esta medida já foi adotada em inúmeros países inclusive de nosso continente. O PNDH não pode modificar os termos desta proposição pois resultaria em tornar equivalentes os presos políticos da ditadura brasileira a seus torturadores.

•    A retirada de símbolos religiosos de prédios públicos garante a liberdade religiosa. A ostentação de símbolos da Igreja Católica em prédios públicos cujos fins não sejam a prática religiosa (este é o caso de Gabinetes da Presidencia e governadores, plenários do Poder Legislativo e do Poder Judiciário (fóruns e juizados) faz parecer que o Estado brasileiro está intrinsecamente submetido aos ditames desta Igreja, o que viola a Constituição de 88 que afirma o princípio do Estado Laico. Esta medida cumpre o princípio do Estado laico e o respeito indiscriminado a todas as expressões religiosas.

•    O controle social da mídia não é censura nem limita a liberdade de imprensa. O PNDH 3 prevê a elaboração de um ranking dos veículos de comunicação comprometidos com os direitos humanos e a suspensão de propaganda oficial em veículos que mantenham programas que atentem contra os direitos humanos. Indica as diferentes responsabilidades do Estado na efetivação desta medida definindo explicitamente as funções do executivo, do judiciário, do legislativo e da sociedade civil. Não ṕe procedente a afirmação de que o Programa não respeita a diferença entre os poderes da República.

•    Por fim, afirmamos que manter o aborto como crime favorece todo tipo de violação dos direitos humanos das mulheres, que são perseguidas, presas, maltratadas, humilhas, muitas vezes morrem em decorrência da falta de assistência adequada por parte do Estado. O PNDH3 avança em relação ao PNDH1 (aprovado no Governo FHC) que incluiu o tema do aborto mas apenas para garantir a legislação atual. Para este Governo, retirar este item do PNDH3 significar recuar e retroceder para aquém do PNDH1.

Qual legalização do aborto defendemos?

•    Informamos que o projeto de lei a que se refere o Programa tem como critérios para legalização do aborto no Brasil: interrupção da gravidez até 12 semanas de gestação por livre decisão da mulher; até 20 semanas em casos de gravidez resultante de violência sexual; e a qualquer momento se for em defesa da vida da gestante.

•    Portanto, o aborto tardio, realizado com a gravidez já avançada, não é o que defendemos. Os conservadores afirmam que o Plano quer “legalizar totalmente” o aborto no Brasil e o fazem tão somente com o intuito de insinuar a falta de critério do Programa e de criminalizar as mulheres.

•    O PNDH3 protege a totalidade das mulheres sem discriminação de raça ou renda.O aborto foi criminalizado no Brasil por lei de 1940, esta lei protege as mulheres que realizem aborto em duas situações: risco de vida ou gravidez decorrente de estupro. Esta diretiva foi incluida no PNDH1 (Gov FHC). Mas a maioria das mulheres que recorrem ao aborto não o fazem por estas razões, mas por falhas na contracepção.

•    Chamamos atenção para o perfil das mulheres nesta situação e que tem seus direitos humanos violados: são mulheres jovens, mantendo vida sexual ativa com parceiro fixo, mães de 1 ou 2 filhos e que estão usando métodos de contracepção (Pesquisa SUS/UnB.2009). Neste caso pode-se afirmar que muito provavelmente a gravidez indesejada foi decorrente de falhas na contracepção. A pesquisa revela ainda que a opção pela interrupção da gravidez (aborto) é , em muitos casos, uma decisão do casal após avaliação do que é melhor para a família naquele momento. Entre as que morrem em decorrência de precário atendimento de saúde estão em maioria as mulheres negras da classe trabalhadora.

•    Na questão doa borto, recuar no Programa ao marco do PNDH1, é manter ampla criminalização das mulheres, promovendo a violação de seus direitos humanos e mantendo-as em situação de risco de morte.

Embora o PNDH3 esteja muito aquém de nossos anseios por igualdade,

•    compreendemos como legítimas as deliberações das Conferências de Políticas Públicas nas quais o PNDH3 se pautou e conferimos legitimidade a este governo, cujos ministros acordaram o plano;

•    e entendemos que qualquer mudança no decreto 7037/2010 relativo ao PNDH3 representará um retrocesso para a democracia brasileira e para o sistema de construção participativa das políticas públicas, significando a negação das vozes e lutas travadas ao longo de décadas pelos movimentos de Direitos Humanos, os Movimentos sociais e os Movimentos de Mulheres em particular.

Pela unidade dos movimentos sociais na defesa do PNDH3 !

Articulação de Mulheres Brasileiras, 19 de março de 2010.

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