“Pesquisa de Emprego e Desemprego”: dados de trabalhadoras domésticas do Recife-RMR ficam de fora

Após 18 anos de realização da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) no Recife e região metropolitana, de onde se extraem dados para análises especiais, como o boletim sobre trabalho doméstico produzido pelo DIEESE, os Governos Federal e de Pernambuco cortaram o repasse do recurso que viabiliza a pesquisa. Com isso, a série histórica foi impedida de ser produzida em Pernambuco a partir de 2015.  A ausência de informações prejudica a análise sobre a situação das trabalhadoras domésticas.

Por Rivane Arantes*

O Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), a Fundação Seade e governos estaduais lançaram na última semana o Boletim Especial sobre ”O Trabalho Doméstico”, com informações sobre a situação desta importante categoria de trabalhadoras nos mercados de trabalho do  Distrito Federal e de quatro grandes regiões metropolitanas do país – Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e São Paulo – em razão do dia 27 de abril, em comemoração ao Dia Nacional das Trabalhadoras Domésticas.

Entretanto, justamente neste contexto de desconstituição dos direitos da classe trabalhadora e de grande retrocesso na implementação das políticas públicas que concretizam esses direitos na vida cotidiana, no exato momento em que é fundamental a produção de informação confiável para demonstrar o que está por trás dos “golpes institucionais” e como eles nos atingem diretamente, Pernambuco se desobriga dessa tarefa e, mais uma vez, faz opção pelo obscurantismo.

Após 18 anos de realização da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) no Recife e região metropolitana, de onde se extraem dados para análises especiais, como o referido boletim, os Governos Federal e de Pernambuco cortaram o repasse do recurso e a série histórica foi impedida de ser produzida neste estado a partir de 2015. Não custa lembrar que a PED é um sistema de produção de dados sobre o emprego, trabalho e renda, elementos centrais do modo de produção capitalista, na perspectiva dos/as explorados/as do sistema. Ela se consolidou como um dos mais importantes instrumentos de análise da realidade socioeconômica dos mercados de trabalho metropolitanos do país, sob a rígida coordenação do DIEESE, uma importante e isenta iniciativa de monitoramento e produção de informação da classe trabalhadora. Sua contribuição permitiu (e permite onde ainda existe) a elaboração de indicadores mais apropriados para subsidiar as políticas e ações do sistema público de emprego, trabalho e renda no país.

Democracia e direito à informação 

Em tempos de golpes institucionais é sempre importante não perder de vista os elementos que constituem o projeto democrático. E o direito à informação, à verdade e à participação são fundamentais nessa construção. Um povo que não se sabe e que é obrigado a viver no obscurantismo, na ilusão e alienação é um povo que está alheio a seu tempo e sua vida. É um povo enganado. A realidade é a nossa vida, mas não é só aquilo que é aparente, é também o que a produz, o que a faz ser tal qual ela é. E se não temos a realidade compartilhada, fica bem mais difícil de nos estranharmos, de nos indignarmos. E não nos revoltando somos dóceis, aceitamos caladas, sem nem nos saber, não “partimos pra cima”, não denunciamos nem propomos, ou seja, temos pouca capacidade de dizer qual sociedade queremos viver. E ai, legitimamos os “salvadores da pátria”, no limite, “os messias da vida”. Essa é a perversidade da ausência de informação, da deturpação da informação e da criminalização da informação, como estamos vivendo na pele hoje.

A categoria das trabalhadoras domésticas é uma das maiores categorias ocupadas por mulheres no país e sem sombra de dúvida, a profissão onde as mulheres negras são majoritárias (a Pnad/2014 aponta que 17,7% das mulheres negras eram trabalhadoras domésticas). Não a toa ser uma das categorias mais discriminadas socialmente e fragilizadas do ponto de vista da implementação dos direitos humanos – da liberdade e autonomia aos direitos econômicos, sociais e culturais. Dentre esses direitos, merece atenção os direitos do trabalho, cujo reconhecimento formal só se deu com a aprovação da Emenda da equiparação de direitos em 2013, apenas regulamentada em 2015. A mesma Pnad informa ainda, que esta categoria segue marcada pela baixa escolaridade, informalidade, menores salários e determinada muito fortemente pela divisão racial do trabalho operada pelo capitalismo.

E Pernambuco, um estado organicamente sustentado no machismo e racismo e muito marcado por uma história colonial escravocrata, não somente confirmava estes indicadores gerais de precarização das relações de trabalho das domésticas, como apontava que, das regiões analisadas pelo PED, mesmo após a equiparação de direitos, era a que apresentava a jornada de trabalho mais longa do país em 2014. Ora, emblemático lembrar que o núcleo da exploração capitalista se dá principalmente na apropriação do tempo de trabalho não pago dos/as trabalhadores/as.

Olhando este contexto, não podemos acreditar que essa realidade tenha mudado para melhor, ao contrário, quando os índices sabidos formalmente de feminicídios no estado, nos primeiros 2 meses, alcançam a casa dos 58 assassinatos, os estupros de mulheres no mesmo período atingem o número de 497 (dados da própria SDS/PE), e o Governo não somente apresenta dados errados, como também se omite da responsabilidade de produzir informações confiáveis e apropriadas sobre a realidade social, não tornando os dados transparentes, caso do desinvestimento na PED, que impossibilita a elaboração de políticas públicas adequadas e impede a população de saber a verdade sobre os efeitos das políticas econômicas nas suas vidas. Isso inviabiliza o monitoramento das pessoas/cidadãs sobre os níveis de sobrevivência e a qualidade de vida da população como um todo, assim como a percepção dos destinos e da situação daquela parte da população historicamente mais discriminada, explorada e excluída dos direitos e políticas públicas – nós mulheres, negras e empobrecidas.

Apenas para termos uma ideia, os dados das últimas PED (2014/2015) apontavam uma leve diminuição do número de mulheres ocupadas como trabalhadoras domésticas, circunstância atribuída naquele ocasião, mais à possibilidade de mobilidade social para outras ocupações com maior remuneração, do que às consequências da equiparação de direitos. Já os dados da mesma pesquisa em 2017 demonstram um movimento inverso, o número de trabalhadoras ocupadas nessa categoria começa a aumentar, o que pode ter a ver com a agudização da crise vivida pelo Brasil nesses dois últimos anos. Só que tal dado, tão relevante para mensurar as condições de vida e de trabalho das mulheres pernambucanas, não puderam ser produzidos.

Se olharmos bem de perto veremos que a “simples ausência” de um Boletim revela não somente o ocultamento deliberado da precariedade que submete as trabalhadoras domésticas (que sustentam o mundo do trabalho e as outras dimensões das vidas de todas as pessoas), como a opção governamental pelo autoritarismo. Isso porque, sem dados, nosso direito à participação nas decisões que nos dizem respeito fica comprometido, não  é possível políticas públicas ou, no máximo, são produzidas políticas medíocres, ou seja, a democracia é uma retórica.

E para muito além de qualquer desconforto”, há a ironia nesse episódio – a visão muito concreta daquilo que nos ameaça hoje, pois os mais de 50 trabalhadores/as demitidos com a suspensão da PED em 2015 podem ser enquadrados na categoria terceirizados. Por isso, damos ampla divulgação aos estudos do DIEESE e Seade e denunciamos que Pernambuco escolhe o obscurantismo como modo de relacionamento com a sociedade, principalmente quando se trata da situação socioeconômica de sua gente. Esta escolha política revela bem o lado e as perspectivas desse Governo.

Dias 27 de abril, 28 de abril e 1⁰ de maio terão de ser, realmente, dias de muita luta neste estado!

Por mim, por nós e pelas outras!

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Rivane Arantes integra o coletivo político-profissional do SOS Corpo. É militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco/Articulação de Mulheres Brasileiras, e da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco.

Foto: Reprodução/EBC

 

 

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